"(...) Castigar um adversário político, pô-lo na prisão ou enviá-lo para o Lager é cruel mas racional, sempre se fez; antigamente vendiam-se os prisioneiros como escravos. É uma realidade de sempre, condenável, mas de sempre, encontramo-la mesmo no mundo animal: as formigas fazem razias e escravizam. Mas punir o outro porque ele é outro, na base de uma ideologia abstracta, parecia-me ser o cúmulo da injustiça, da estupidez e da irracionalidade.
Porquê, em que sou eu diferente dos outros? Há aqui uma distinção importante a fazer: os judeus religiosos, os judeus crentes, como todos os crentes, não compreendiam, não sentiam esta injustiça, viam nela um castigo divino, imputavam-na ao Deus imcompreensível, ao Deus desconhecido, que tem poder de vida ou de morte, que segue apenas critérios inacessíveis ao nosso entendimento, porque tudo o que Deus decide tem de ser aceite. Mas, para um laico como eu era e continuo a ser, era a maior iniquidade possível, que nada podia justificar ou explicar."
Primo Levi, O dever de memória, Livros Cotovia, pág. 36
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