5 Jun 2013

Fragmentação

Fragmentação tem sido um termo utilizado para descrever os mercados de dívida europeus. Não apenas de dívida soberana, mas também do mercado de dívida das empresas, cuja correlação se mantém elevada desde a crise. Há cerca de um mês assistimos, como se nada fosse, a Portugal emitir dívida a um ano ao mesmo nível de taxa de juro que a Alemanha o fez, mas a 10 anos. A situação nas empresas é semelhante. Num mercado comum, as empresas portuguesas de média dimensão - as tais que têm de exportar muito - pagam spreads bárbaros (quando conseguem crédito) em comparação com as empresas que não estão sediadas na periferia europeia. 

Ora, esta fragmentação é insustentável e é uma das razões que impede, como hoje começa a ser consensual, qualquer esforço de consolidação que, melhor ou pior - infelizmente, no nosso caso, pior -, seja feito pelo governo. 

Mas fragmentação é também uma excelente palavra para descrever a acção deste governo, que saiu das eleições realizadas há dois anos. Desde o início, toda a sua actuação foi baseada, tanto no mal disfarçado ressentimento em relação a tudo o que é público, como na exploração do ressentimento para tentar ganhar apoio às medidas que foram introduzindo. A dicotomia público / privado, através da repetição da mentira de tudo ser um desperdício no Estado, é um exemplo. A exploração até à náusea da suposta guerra intra-geracional é outro. A contínua desvalorização das causas estruturais do desemprego - insistindo na tecla de que qualquer desempregado apenas o é porque o quer (incluindo inacreditáveis apelos à emigração), ainda outro. 

Este é, talvez, o legado mais pesado que este governo deixará ao país. Quem agora fala de consensos fez muito para os destruir durante estes dois anos. Quem vier a seguir não só terá de ter a capacidade de inverter este rumo desastroso, como terá de o fazer num contexto de uma sociedade portuguesa cada vez mais fragmentada.

No comments: