1) Num contexto recessivo, causado por uma menor utilização de crédito por parte do sector privado, não há austeridade que equilibre as contas públicas.
2) Insistir em gerir um país como se fosse um orçamento familiar tem o seu quê de alucinado.
3) O problema de excesso de dívida na generalidade dos países desenvolvidos é bem real. Mas a dívida pública não representa nem sequer a maior parte da dívida total dos países da periferia. Isto é ainda mais verdade se olharmos para os anos de início da crise, antes da intervenção dos governos para evitar uma nova grande depressão na sequência da crise financeira global.
4) O foco exclusivo na componente pública da dívida revela essencialmente um preconceito ideológico: tudo o que é público é inerentemente mau e deve ser combatido. As análises de sustentabilidade da despesa pública, feitas num contexto recessivo como este, enfermam desse mesmo preconceito e não podem, como é óbvio, ser levadas a sério.
5) Promover um ajustamento rápido das contas públicas neste contexto é ignorar o funcionamento dos estabilizadores automáticos. Uma desalavancagem simultânea de todos os agentes económicos tem como resultado o que temos visto: uma recessão em aceleração e sem fim à vista, e uma incapacidade total em equilibrar as contas públicas.
6) Resta a inevitabilidade. Dado que dependemos dos nossos credores não temos alternativa. Sendo isto verdade, pelo menos se pretendemos permanecer na zona euro, nada justifica o entusiasmo do nosso governo pela austeridade, versão hardcore. O problema português não poderá ser resolvido sem uma alteração das políticas e arquitectura europeias, em especial deixarmos de ter esta bizarria de ser o único bloco económico sem um banco central. Lutar por estas alterações é da maior urgência.
7) Isto porque insistir numa política errada, mas da qual não podemos fugir, arrisca-se seriamente a juntar à destruição da economia a destruição da democracia.