28 Feb 2013

Basta. #2deMarço

Uma acção que contradiz directamente a campanha e programa eleitoral com que este governo foi eleito. Um constante elogio do desemprego e da probreza, como se estes tivessem características redentoras. Uma lógica divisionista como forma de atacar a solidariedade que deve unir uma sociedade. Um apelo ao pior do passado, no desejo inconfessado de um Portugal pobre, humilde e resignado. Uma obsessão com as finanças igualada apenas pela capacidade de falhar todas as metas. Uma Europa que insiste em remédios não apenas ineficazes, mas contraproducentes.

Cada um terá as suas razões. Estas são as minhas.

Basta. #2deMarço

27 Feb 2013

É isto

"By adopting OMT earlier, the ECB could have prevented the panic that drove the spreads that justified the austerity. It did not do so. Tens of millions of people are suffering unnecessary hardship. It is tragic."


Martin Wolf, hoje no FT

26 Feb 2013

O equívoco

Sei pouco sobre política italiana e um resultado assim deixa espaço a uma miríade de interpretações. Mas parece ser claro que a solução tecnocrática, a inevitabilidade de uma austeridade germano-cêntrica como chantagem sobre todos os países, acabou de sofrer um rude golpe nas urnas. Não só Monti - o tecnocrata por excelência - se fica pelos 10%, como Bersani (o candidato implicitamente apoiado como o sucessor das políticas de Monti) tem um resultado que, mesmo sendo o mais votado, só pode ser considerado uma derrota.


Tudo isto parte de um equívoco que não é explicável à generalidade dos eleitores. As políticas de austeridade, impostas por quem não tem de as aplicar num momento de recessão e aproveitadas por quem vê tudo o que cheire vagamente a Estado como algo a erradicar o mais depressa possível, são de uma forma geral contraproducentes no objectivo de reduzir défices e dívida pública sobre o PIB.

Cavalgar este equívoco para obter expressão eleitoral é, no fundo, um brinde que estamos a oferecer aos populistas que existem por essa Europa fora. Durão Barroso, em vez de fazer declarações inúteis, devia era esforçar-se em impedir que as instituições europeias continuem a alimentar uma fogueira que, não tarda muito, ainda nos queima a todos.

25 Feb 2013

Não é "se", é "quando"

Há dois anos, mais ou menos por esta altura, improváveis astros alinhavam-se para chumbar o PECIV no parlamento, criando assim uma crise política que resultaria no pedido de ajuda de Portugal à (entretanto denominada) troika. Com um discurso baseado em miríficos consumos intermédios (que podiam ser cortados sem grande dor) e que ignorava por completo o contexto de crise económica internacional, elegemos um novo governo que não aumentaria impostos, não cortaria subsídios, e tinha todas as soluções estudadas ao pormenor.


Mesmo dando o desconto merecido a propostas eleitorais, eram afirmações atrevidas. Não foi preciso esperarmos muito para descobrirmos na pele quão falsas eram. Doses sucessivas de austeridade, com proclamações orgulhosas da vontade de ir mais longe que a troika, transformaram o que era um mau plano de assistência financeira no actual desastre. Uma queda de actividade económica que não dá sinais de abrandar. Um nível de desemprego acima das piores expectativas e que ainda não parou de subir. Uma economia que simplesmente deixou de investir, atrasando assim cada vez mais qualquer hipótese de recuperação.

Como "sucessos", são referidos o reequilíbrio da balança comercial e a queda das taxas de juro, cujos máximos foram atingidos já com este governo. O primeiro deve-se cada vez mais à queda acentuada das importações e, como tal, à contracção da procura interna. As exportações, depois de uma forte subida em 2010 e 2011, foram crescendo cada vez mais lentamente até atingirem no final de 2012 um ponto de estagnação. Quanto à confiança dos investidores internacionais na dívida pública portuguesa, essa é real. No entanto, é devida ao assumir por parte do BCE do papel de salvador da zona euro, como é visível pelo comportamento semelhante da dívida de todos os países periféricos a partir de setembro de 2012. Qualquer análise em termos fundamentais à dinâmica da dívida pública portuguesa permite concluir que esta é menos sustentável em 2013 do que era em 2011, não apenas pelo muito maior stock existente, mas também pela cada vez menor capacidade da economia em gerar receitas. Estamos assim, perante um sucesso (balança comercial) pelas razões erradas e outro (queda das taxas de juro) que aconteceu apesar das políticas deste governo.

Chegados aqui, a equação tornou-se impossível de resolver. Insistir em cada vez mais austeridade deixou de ser um erro conceptual para passar a ser um erro demonstrado, bastando olhar para o exemplo português, grego, espanhol ou italiano. Reestruturar - a tal palavra que não fica bem dizer - é nesta altura a única solução. Dado que parte considerável do stock de dívida portuguesa está actualmente junto dos nossos parceiros internacionais, é possível fazê-lo sem que isso represente um evento de crédito, criando assim condições para uma política cuja diminuição da austeridade, e consequente menor pressão sobre a economia, permita realizar as tais necessárias reformas estuturais.

Negociar uma reestruturação é, nesta fase, apenas bom senso. Porque já não é uma questão de "se", tornou-se uma questão de "quando". A má notícia para o país é que, de acordo com o nosso governo, austeridade e reforma estrutural são dois conceitos equivalentes. Dado que a necessidade de reestruturar será demonstrada a bem ou a mal (é apenas uma questão de tempo), a urgência de mudar de política só se torna maior.

22 Feb 2013

A purga

O crédito é uma coisa curiosa. Os excessos são sempre identificados depois de as crises acontecerem e, na generalidade dos casos, exibidos como culpa do comportamento irresponsável de quem viveu com os meios que não tinha. Ora, há aqui duas coisas que têm necessariamente de ser pensadas e ditas. 1) devia ser difícil entender a irresponsabilidade de quem pede o crédito sem a conjugar com a irresponsabilidade de quem o concede; e 2) a avaliação da capacidade creditícia (por parte dos dois agentes) é altamente dependente da confiança dos agentes económicos.
 
Nenhum crédito é viável numa economia em - pelo menos risco de - espiral recessiva. Nem um. O problema mais grave da narrativa que define o que generosamente podemos apelidar de política económica e financeira deste governo é exactamente este ponto. Ainda recentemente fomos brindados com declarações governamentais dizendo que a quebra de actividade económica e os níveis insustentáveis de desemprego que temos vindo a sofrer eram, afinal, boas notícias. Que as empresas que vão à falência todos os dias são más, uma espécie de toxinas de que Portugal faz bem em livrar-se, e quanto mais depressa melhor. Por arrasto, calculo, podemos supor que o desemprego gerado por essas falências é também composto por gente de fraca qualidade, uns improdutivos a quem este merecido castigo poderá ajudar a repensar a forma errada como têm levado as suas vidas.
 
Neste tipo de discurso misturam-se várias coisas, qual delas a pior. Em primeiro lugar, uma crença imensa na meritocracia, vinda invariavelmente de quem, tendo tido algum sucesso, o atribui apenas às suas capacidades desprezando totalmente as próprias condições de partida e o impacto que a sorte, ou o acaso, desempenha no percurso de cada um. Claro que isto implica, por exemplo, ver quem está desempregado, ou numa situação de pobreza, como alguém que, no fundo, apenas não se esforça o suficiente. Em segundo lugar, uma visão arcaica e profundamente classista da sociedade: quem manda os "mais modestos", que tinham uma vida "simples, mas honrada", quererem mais? Finalmente, uma fé inabalável que o sofrimento não é algo apenas necessário, mas desejável. Uma purga redentora, que se encarregará de criar um novo Portugal.
 
Ou seja, laissez-faire misturado com imobilismo e crença numa qualquer redenção moral. Parece alucinado? Sim, e é mesmo isto que nos governa.

19 Feb 2013

Alternativa zero

Arrisco-me a dizer que esta oposição apenas serve para reforçar a catástrofe que este governo representa para o país. A incapacidade de apresentar alternativas credíveis, a permanente colagem à narrativa de crise da direita, a recusa em assumir, naturalmente com todos os erros, o que é a sua história, já eram péssimas. Se a tudo isto somarmos os episódios que antecederam o tal "Documento de Coimbra", com ataques inqualificáveis a quem pretendia debater ideias dentro de um calendário eleitoral já previsto para a eleição de secretário-geral e realização de um congresso, ficamos definitivamente conversados sobre as qualidades democráticas de Seguro e respectiva entourage.

O discurso de ausência de alternativa é, assim, reforçado exactamente por aqueles que têm o dever de a ser. O que só cria espaço para os que apenas protestam, sem sequer alguma vez terem sonhado fazer parte de uma solução, como BE e PCP, ou para soluções ainda mais perigosas - nascidas de um populismo anti-política e anti-estado, como, por exemplo, as que estamos a assistir em Itália neste período pré-eleitoral.

Não explicar, a cada oportunidade que se dispõe, que a actual crise é consequência directa da crise financeira global que, por sua vez, é consequência directa da desregulação iniciada no final da década de 80, em especial sobre o sector financeiro é deixar que o esforço feito pelos diversos Estados na contenção das desastrosas consequências sobre a economia real apenas tenham servido para reforçar os preconceitos dos que vêm tudo o que é público como demoníaco e tudo o que é privado como santo. Não demonstrar que realizar as necessárias reformas no Estado não é equivalente a apenas austeridade, é reforçar o pressuposto ideológico que qualquer corte na despesa pública é algo de intrinsecamente positivo para a sociedade.

Exijo mais, muito mais, ao PS do que este actual estado de coisas. Estar apenas à espera que o poder lhe caia no colo pode bem ser o modus operandi da actual direcção, com que aliás o respectivo secretário-geral teve sucesso na sua ascensão. Mas é trágico para o país. 

15 Feb 2013

Da lucidez

"Creio que o tempo que passou no sul acabou bem, depois de ter começado bem e continuado mal, e tanto assim foi que me disse, após regressar, que a lucidez não tem necessariamente que ser o desvelamento do mal ou da fealdade, também pode ser a abertura da luz do entendimento à empatia para com os outros ou as coisas, e que pode ser-se feliz sem se cair na estupidez de acreditar na felicidade, tal como pode ser-se infeliz sem cometer o erro de vestir a infelicidade como uma capa de chumbo."

Paulo Varela Gomes, Verão de 2012, pág. 98, edições Tinta da China.