2 Sept 2004

Da racionalidade rasteira


O meu optimismo, ou "este meu jeito leve de andar pela vida" como diz a minha mana, tem vindo a ser posto à prova com uma regularidade que me atreveria a chamar de insolente. Ainda assim, continuo a ser (fora de moda, é verdade) um crente profundo na natureza humana. Acho, aliás, que o egoísmo é uma forma de racionalidade rasteira, rasteirinha, que não tem em conta nem horizontes mais longos nem as componentes de felicidade que não são directa e facilmente expressas em cifrões.

Respeito, embora combata, o "sempre foi assim". Irrita-me, de uma forma pouco comum, as ladaínhas auto-justificativas de comportamentos incorrectos, de comportamentos maus, com argumentos de os outros (sempre os outros) fazem ainda pior, ou porque é que eu me hei de preocupar se mais ninguém o faz, ou se não for eu a fazer alguém o vai fazer a seguir?

Acho mesmo, a sério, que tenho a responsabilidade (humana) de ser ético, de ser solidário, de me continuar a chocar com a filha-da-putice glorificada pela sociedade com nomes pomposos do estilo "eficiência, downsizing, outsourcing". Enoja-me a chantagem permanente, a ideia fácil, de que proteger quem precisa (sim, que isto de viver em sociedade é um bocadinho mais do que encontrar os amigos na Casa do Castelo) é equivalente, apenas e só a aumentar impostos. De reduzir tudo a óptimos de Pareto sem levar em conta (porque é difícil mas também ideologicamente inconveniente) o que não conseguimos quantificar.

Isto da natureza humana é, acho eu, bem mais complexo do que assumirmos simplesmente que não vamos nunca passar de seres egoístas interessados apenas no nosso umbigo ou, quando nos dá para sermos generosos, em mais quatro ou cinco à nossa volta. Além disso (e lá vem o tal optimismo referenciado no início), há sempre a esperança de evoluírmos.