7 Oct 2011

Da força da grana que ergue e destrói coisas belas*

Não me lembro de termos tomado, como sociedade, a decisão de ficarmos reféns do actual sistema financeiro. Não deixa de ser, no entanto, onde nos encontramos. Depois de em 2008, na sequência da crise financeira global, os governos - todos nós, melhor dizendo - de quase todos os países terem intervido para salvar o sistema financeiro, encontramo-nos à beira de termos de o fazer outra vez. Numa posição mais frágil em termos de contas públicas, também por ser a segunda vez que os contribuintes são chamados a fazê-lo.

Acho, sinceramente, que é inevitável. As consequências imediatas de um colapso do sector financeiro são demasiado graves. Mas, já que não o fizemos depois de 2008, é crucial que discutamos agora, todos, o que temos de fazer para parar esta lógica de nos vermos obrigados a salvar um sector cujas decisões, em termos dos riscos que correm, não se regem pelo interesse público mas por um sistema de incentivos que premeia o imediatismo de curto prazo focado no lucro trimestral ou anual.

A mão invisível, a tal em que nos ensinam que a procura de interesses privados gera o melhor resultado para a sociedade, é em muitos casos uma falácia, como temos vindo dolorosamente a descobrir. Regulamos de uma forma clara várias indústrias que são essenciais para a vida em sociedade como a conhecemos. A electricidade, por exemplo. Consideramos, e bem, intolerável que erros de gestão, ou o assumir de maiores riscos para obter maiores lucros, signifique um aumento de probabilidade de ficarmos um tempo longo sem acesso a electricidade. O sector financeiro não é, neste sentido, assim tão diferente. Os balanços das instituições financeiras representam hoje, em muito países, várias vezes o PIB anual desse país. O grau de alavancagem, isto é, o tamanho do balanço face aos capitais próprios, mantém-se, mesmo depois da crise de 2008, em níveis historicamente altos. As diversas fusões e aquisições que foram ocorrendo nas últimas décadas criaram instituições cada vez maiores e, como tal, cada vez mais too big to fail. Para os nossos bolsos, entenda-se.

Se é verdade que o crescimento económico global das últimas décadas foi conseguido, em muito, devido ao crédito disponibilizado pela cada vez maior sofisticação do sistema financeiro, também é verdade que somos hoje confrontados com o preço a pagar. A nossa sociedade está, mais uma vez e apenas 3 anos depois, refém de um sistema financeiro que deixámos crescer desordenadamente para lá do que é razoável.

*Verso do poema Sampa, de Caetano Veloso

1 comment:

Pó dos Livros said...

tu assusta-me! :)